Hoje abrimos espaço para ouvir a opinião de mais um profissional reconhecido no mercado do futebol brasileiro, e que traz uma reflexão que pode ajudar nossos leitores. Desfrute do texto do técnico Bernardo Franco, técnico com experiência no trabalho de formação de atletas, e também profissional.
No Brasil costuma-se construir uma equipe do jogador para a ideia de jogo, por isso costuma-se dizer que o jogo é do jogador, pois são eles os maiores protagonistas do espetáculo. Mas o jogador precisa de pessoas que possam orientá-los e guia-los ao longo de sua formação e carreira, eis então que surge a figura do treinador.
A figura do treinador no Brasil está fragilizada no momento, muito devido a cultura estabelecida por parte da mídia esportiva, dirigentes e torcedores. Isso acontece porque poucos conseguem enxergar e avaliar um trabalho além do resultado dos 90 minutos, em uma perspectiva de curto prazo é muito mais simples depositar toda a responsabilidade ao treinador, assim troca-se de treinador como troca-se de roupa.
Mas a ideia do texto não é entrar nesta esfera, pelo menos não de momento, já que esse assunto demanda um aprofundamento muito maior, e talvez aí esteja um dos principais problemas do futebol brasileiro, junto com o calendário extremamente congestionado.
Então vamos refletir a respeito de algumas características da formação do treinador de futebol no Brasil, o treinador brasileiro sempre teve a disposição jogadores com um alto nível de repertório motor, criatividade e improviso, muitos oriundos do futebol de rua (jogo livre), cada vez menos praticado nas grandes cidades devido ao crescimento urbano.
Além disso o treinador brasileiro sempre foi muito criativo, precisando encontrar alternativas para acomodar os melhores jogadores em campo, convencê-los da importância de treinar e criar uma rotina de atleta profissional, além de ter que gerenciar os egos e vaidades dos jogadores, que por muitas vezes são tratados com status superior ao da equipe e da instituição.
Isso tudo acontecia de maneira não estruturada/sistematizada, o treinador brasileiro sempre precisou ser um autodidata, construindo as as suas ideias e métodos através das suas experiências prévias (como ex-atleta, acadêmico, torcedor, etc.) e circunstâncias de momento, a formação do treinador era muito mais baseada nas suas tentativas e descobertas, aqueles que erravam menos ou aprendiam mais rápido com os erros, estavam mais próximo do sucesso.
Somos o reflexo da sociedade, e como país temos muitas limitações e deficiências na qualidade da nossa educação, sendo assim, culturalmente não temos o hábito de ler e registar a respeito de futebol com a frequência e naturalidade que se é feito em outros países.
Com a globalização e o acesso à informação, o futebol também foi se transformando nas últimas décadas, e nessa transformação o Brasil demorou a perceber e acompanhar as mudanças. Passamos por um período em que as velhas soluções já não eram mais suficientes, e que precisávamos nos reciclar, com isso passamos por uma crise de identidade e de valores.
Enquanto em outros países, há muitos anos já existem cursos de formação para treinadores e universidades que estudam o futebol de maneira aprofundada, formando profissionais com maior qualificação para o mercado de trabalho, no Brasil essa prática tem início em 2016 através da CBF ACADEMY, uma iniciativa importante e sem volta em nosso país, a criação de um curso formal para treinadores.
No início houve críticas e restrições a respeito, ter que se reunir por um período para estudar futebol, não era uma prática comum e bem vista por grande parte dos treinadores. O curso permitiu com que treinadores pudessem compartilhar experiências e conhecimentos, além de refletir sobre a sua prática e melhor adequa-la ao seu contexto.
Isso despertou nos treinadores a importância de se conhecer o jogo de maneira sistêmica e complexa, e de como se é possível treinar comportamentos e atitudes (coletivas e individuais) que são idealizadas para o seu jogar, oferecendo maiores alternativas e possibilidades para que as individualidades e o talento possam continuar a fazer a diferença.
O Brasil é um país de dimensões continentais, com isso temos diversas culturas esportivas e sociais, que devem ser respeitadas. Isso torna a missão ainda mais complexa, a CBF ACADEMY vem se dedicando muito para que a identidade do futebol brasileiro seja preservada e continuada, sem deixar de trazer conhecimentos e práticas externas que são referências mundiais.
É notável a contribuição que o curso vem oferecendo aos treinadores, a intenção do curso é fazer com que cada um crie o seu método de trabalho de acordo com os seus interesses e suas necessidades.
A exigência de se ter o credenciamento para exercer a função, também vem se tornando obrigatória, um caminho necessário e sem volta para a qualificação do futebol brasileiro. Além disso vem se buscando o reconhecimento e validação do curso perante as demais confederações, permitindo com que os treinadores brasileiros possam atuar em outros países sem restrições, assim como acontece com os treinadores estrangeiros no Brasil.
Agora o desafio tem sido organizar, sistematizar e transferir o conhecimento do futebol brasileiro, tornando-o acessível aos treinadores, em todas as escalas (da iniciação esportiva, especialização ao alto rendimento), pois aqui temos muitas histórias de conquistas (coletivas e individuais) e de um futebol que encantou o mundo, precisamos resgata-las, divulga-las e valoriza-las.
Aos poucos o Brasil vem se preparando para retomar o protagonismo no futebol mundial, os primeiros passos já foram dados, em breve veremos os frutos.
O texto acima é de autoria do profissional Bernardo Franco.
